"No dia em que eu caí ninguém entendeu, porque eu era guerreira":: maternagem e Síndrome Congênita do Vírus Zika em tempos de Covid-19

Mothering has historically been attributed to the female gender. The zeal, the dedication and the abdication of oneself in favor of the good development of the child have become characteristic to the ideal of “good mother”, affecting more intensely mothers of children with disabilities who depends on intensive care. In this article I will analyze a specific maternity - that of “mothers of micro”, whose children were born with the Zika Virus Congenital Syndrome in Recife/PE - the impacts of being a “good mother” in the life and health of these women, and the consequences of this intensive care throughout the Zika epidemic and with the arrival of the Covid-19 pandemic. Based on data from ethnographic fieldwork with these women, narratives of tiredness, loneliness and psychological distress were found, which were intensified in the current context due to the suspension of their children's rehabilitation activities, domestic confinement and domesctic overload. If these women were already mothers and full-time caregivers, now they also became therapists for their children, abdicating of their support networks, subjecting themselves to an even more demanding, lonely and exhausting mothering.A maternagem foi historicamente atribuída ao gênero feminino. O zelo, a dedicação e a abdicação de si em prol do bom desenvolvimento da criança tornaram-se características intrínsecas ao ideal de “boa mãe”, afetando mais intensamente mães de crianças com deficiências que, muitas vezes, dependem de cuidado integral. Neste artigo busco analisar, à luz de uma maternagem específica – a de “mães de micro”, cujas crianças nasceram com a Síndrome Congênita do Vírus Zika em Recife/PE – os impactos de ser uma “boa mãe” na vida e na saúde dessas mulheres, bem como as consequências desse cuidado integral ao longo da epidemia de Zika e com a chegada da pandemia de Covid-19. A partir de dados provenientes do trabalho de campo etnográfico junto a essas mulheres foram constatadas narrativas de cansaço, solidão e sofrimento psíquico, as quais foram intensificadas no contexto atual devido à suspensão das atividades de reabilitação de seus filhos e ao confinamento e sobrecarga doméstica. Se essas mulheres já eram mães e cuidadoras em tempo integral, agora elas também se tornaram terapeutas de suas crianças, abdicando ainda mais de suas redes de apoio, sujeitando-se a uma maternagem ainda mais exigente, solitária e desgastante